quarta-feira, 3 de junho de 2009


Cadernos de Manuela

"Dos grandes heróis que conduziram aquela guerra, restam hoje jazigos e ossos, e, para muitos, restam o nada e solamente ele. (...) Até meu Giuseppe, tão longe, cansou de esperar por mim e se foi. Somente resto eu desse tempo, com estas memórias, com esse horror e todos esses mortos e essa chuva que fustiga meu rosto como se também eu houvesse estado lá."
"Quanto a mim, naquele tempo, já não almejava nada. O futuro era um espelho embaçado no qual não mais desejava me mirar. Estar na estância ou em Pelotas, tudo me reservara a mesma solidão. Eu sofria pelo fim tão negro que se nos apresentava: dez anos de pelejas e de sangue gastos em vão; mas a verdade é que eu tinha deixado de me interessar pela revolução no dia mesmo em que Giuseppe Garibaldi transpôs a fronteira para o Uruguai."
"Envelheci esperando Giuseppe. E ele nunca veio. No entanto, jamais perdi minhas esperanças. Jamais vacilei no meu amor, na minha adoração. Nítidas, todas as lembraças dele em minha alma, o tom exacto dos seus olhos de mel, o ouro dos seus cabelos, a veludeza alegre da sua voz, o calor dos seus abraços, a pimenta dos seus beijos. Hoje, sou velha, velha o bastante para contar da Revolução Farroupilha para quem não a viveu e pouco sabe daquele tempo. Hoje sou feita de lembranças. As pessoas me apontam na rua, sou como uma lenda, uma coisa entre o grotesco e o misterioso: a "noiva" de Garibaldi. O quase. Sou aquela que não se concretizou."
"Ainda não morri. A vida me reservou um grande quinhão dos seus favores. Tempo que gastei esperando por Garibaldi. Vivi o suficiente para saber de seu falecimento, oito anos atrás. E, o mais impressionante, essa notícia não doeu em mim. Fui-me despedindo dele dia a dia, durante 43 anos. Agora que abandonou seu corpo, somente agora sei onde se encontra, que mares navega. Logo, irei ter com ele. Agora apenas espero..."
Hoje faz 127 anos que ele se foi...

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